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26 de Abril de 2024

Desembargador do TJMG cassa liminar que autorizava transfusão sanguínea em paciente Testemunha de Jeová que estava inconsciente

Direito à autonomia da vontade do paciente, dignidade da pessoa humana e a liberdade de religião são garantidos pela Justiça Mineira

há 6 anos

Tive a oportunidade de atuar em conjunto com o Advogado Dr. Geraldo Lopes de Oliveira (OAB/MG 94.635) no processo judicial n.º 5000024-29.2018.8.13.0145, da 5ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora - MG, tratando-se de uma "Ação de Suprimento de Consentimento" ajuizada pelo Hospital Monte Sinai em face de uma jovem Testemunha de Jeová.

A Ré do processo, com 36 anos de idade, deu entrada no Hospital Monte Sinai em 16/12/2017, com quadro de leve isquemia cerebral, mas lúcida. A paciente teve acentuada piora em seu quadro clínico durante o período de internação sendo que no dia 24/12/2017 a paciente é transferida para o CTI, com lesões pulmonares, insuficiência renal e respiratória e anêmica, sendo induzida ao coma.

A paciente havia preenchido um documento, “Instruções e Procuração para Tratamento de Saúde”, com firma reconhecida em cartório, em momento pretérito à internação, quando lúcida, onde recusou tratamento hemoterápico, e constituiu a mãe como procuradora para garantir a observância de sua vontade em caso de inconsciência.

O Hospital ajuizou Ação Judicial para efetuar transfusão de sangue contra a vontade do paciente, sendo que o Juiz titular da 5ª Vara Cível, Dr. ORFEU SERGIO FERREIRA FILHO, concedeu medida liminar para transfusão sanguínea sob o argumento de que a paciente estava INCONSCIENTE.

Foi interporto Agravo de Instrumento junto ao TJMG, pedindo efeito suspensivo para prevalência da decisão da paciente mesmo estando INCONSCIENTE. O Agravo foi ajuizado sob o n.º 0008526-89.2018.8.13.0000, distribuído ao Exm.º Des. MANOEL DOS REIS MORAIS, que brilhantemente suspendeu a ordem transfusional do juiz de primeira instância.

Transcrevo integralmente a decisão do renomado Desembargador:


"DECISÃO

Data venia, assiste razão à Agravante quanto ao pedido de efeito suspensivo.

Trata-se a Agravante de pessoa maior, capaz e cristã praticante do seguimento religioso denominado “Testemunhas de Jeová”. Em razão de sua crença, firmou nos idos de 2012 o intitulado “termo de instruções e procurações para tratamento de saúde”, registrado em cartório com a assinatura de duas testemunhas.

No referido documento a Agravante manifesta expressamente sua vontade em não aceitar “nenhuma transfusão de sangue total, glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas ou plasma em nenhuma circunstancia, mesmo que os profissionais de saúde opinem quanto à necessidade para a manutenção de sua vida”.

E, atualmente, a Agravante se encontra sob a custódia do nosocômio agravado e em estado de inconsciência, não podendo, portanto, ratificar sua vontade de não ser submetida ao tratamento indicado pelos médicos – hemotransfusão.

Essa talvez tenha sido a razão pela qual o Agravado se viu na obrigação de buscar a tutela judicial, premido que fora pela obrigação de salvaguardar a vida e a saúde da paciente, que figura como um dos direitos fundamentais na Constituição da República (art. 5º, caput).

No entanto, em que pese essa obrigação médica, tem-se que os profissionais da saúde não podem obrigar o paciente à submissão a uma ou outra técnica médica, muito menos o Poder Judiciário por meio de decisões, ainda que haja amparo em certos valores ou convicções filosóficas.

Isso porque, deve sempre ser considerada a “vontade do paciente”, tendo em vista que a todos é assegurado o direito de se constituírem como pessoas e, portanto, ostentar seus próprios valores e suas próprias convicções, desde que não viole o ideário da concretização do Estado de Direito Democrático. Aliás, mencionada autonomia sinaliza o cerne do que emana do princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. , III da CR).

Sobre o tema é oportuno mencionar os seguintes arestos:

“PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA ANTECIPADA. CASO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. PACIENTE EM TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. TRANSFUSÃO DE SANGUE. DIREITO À VIDA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA. - No contexto do confronto entre o postulado da dignidade humana, o direito à vida, à liberdade de consciência e de crença, é possível que aquele que professa a religião denominada Testemunhas de Jeová não seja judicialmente compelido pelo Estado a realizar transfusão de sangue em tratamento quimioterápico, especialmente quando existem outras técnicas alternativas a serem exauridas para a preservação do sistema imunológico. - Hipótese na qual o paciente é pessoa lúcida, capaz e tem condições de autodeterminar-se, estando em alta hospitalar. (TJMG. AI n. 1.0701.07.191519-6/001, Relator (a): Des.(a) Alberto Vilas Boas, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/08/2007, publicação da sumula em 04/09/2007).”

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. TESTEMUNHA DE JEOVÁ. TRANSFUSÃO DE SANGUE. DIREITOS FUNDAMENTAIS. LIBERDADE DE CRENÇA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PREVALÊNCIA. OPÇÃO POR TRATAMENTO MÉDICO QUE PRESERVA A DIGNIDADE DA RECORRENTE. A decisão recorrida deferiu a realização de transfusão sanguínea contra a vontade expressa da agravante, a fim de preservar-lhe a vida. A postulante é pessoa capaz, está lúcida e desde o primeiro momento em que buscou atendimento médico dispôs, expressamente, a respeito de sua discordância com tratamentos que violem suas convicções religiosas, especialmente a transfusão de sangue. Impossibilidade de ser a recorrente submetida a tratamento médico com o qual não concorda e que para ser procedido necessita do uso de força policial. Tratamento médico que, embora pretenda a preservação da vida, dela retira a dignidade proveniente da crença religiosa, podendo tornar a existência restante sem sentido. Livre arbítrio. Inexistência do direito estatal de" salvar a pessoa dela própria ", quando sua escolha não implica violação de direitos sociais ou de terceiros. Proteção do direito de escolha, direito calcado na preservação da dignidade, para que a agravante somente seja submetida a tratamento médico compatível com suas crenças religiosas. AGRAVO PROVIDO. (TJRS. AI n. 70032799041, Décima Segunda Câmara Cível, Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em 06/05/2010).”

Evidencie-se que este posicionamento jurídico não se constitui como desconsideração do direito à vida, mas verdadeiro e incondicional respeito à própria vida, que só o é na medida em que estiver revestida de “sentido” e, este, vigorará enquanto se admitir o fato da pluralidade social e, por conseguinte, a pluralidade de “sentidos”. Em síntese, é obrigação do profissional da saúde zelar pela vida e pela recuperação da saúde do paciente, empregando as melhores técnicas médicas existentes; porém, afigura-se como seu dever esclarecer ao paciente os procedimentos médicos existentes e, dentre estes, respeitar a “vontade do paciente” quando houver objeção a alguns daqueles.Por oportuno, lembre-se que o Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM n. 1995, de 2012, estabeleceu: Art. 2º. Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.

Acerca dessa temática o e. Conselho Nacional de Justiça, no decorrer da I Jornada de Direito da Saúde, editou o enunciado n. 37, com o seguinte verbete:

As diretivas ou declarações antecipadas de vontade, que especificam os tratamentos médicos que o declarante deseja ou não se submeter quando incapacitado de expressar-se autonomamente, devem ser feitas preferencialmente por escrito, por instrumento particular, com duas testemunhas, ou público, sem prejuízo de outras formas inequívocas de manifestação admitidas em direito.

Nesse contexto, estando inequivocamente comprovada a manifestação de vontade da paciente, que se recusa a aceitar “qualquer transfusão de sangue total, glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas ou plasma”, deve a decisão agravada ser suspensa, a fim de se desautorizar o Agravado a perfilar referido procedimento médico em relação à Agravante/paciente.

Diante do exposto, DEFERE-SE o efeito suspensivo ao recurso e, por conseguinte, mantém-se a “vontade da Agravada/paciente” até julgamento do recurso.

Intime-se a parte Agravada para, caso queira, apresentar contraminuta no prazo legal.

Oficie-se o i. Magistrado a quo, com urgência, acerca do efeito suspensivo atribuído ao recurso e para prestar as informações que entender necessárias, principalmente no que diz respeito a eventual juízo de retratação, no prazo de 10 dias.

Oficie-se o Agravado - INSTITUTO DE CLINICAS E CIRURGIA DE JUIZ DE FORA LTDA., pelo meio mais célere possível, acerca da suspensão da decisão agravada.

Publique-se.

Belo Horizonte, 11 de janeiro de 2018.

DES. MANOEL DOS REIS MORAIS

RELATOR"


Assim, da mesma forma como foi decidido pelo Des. MANOEL DOS REIS MORAIS, integrante da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, também entendo que pacientes Testemunhas de Jeová, INCONSCIENTES, que tenham manifestado vontade anterior por meio documental, tenham garantido o direito à autonomia da vontade, devendo a mesma ser respeitada pala classe médica, jurídica, e é claro: por toda sociedade.

Juiz de Fora - MG, 19 de outubro de 2018.

JULIO ABEILARD DA SILVA

OAB/MG 132.156

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2 Comentários

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Parabéns pelo excelente trabalho!!
E também parabenizo o ilustre desembargador Manoel dos Reis Morais, pela sensibilidase no julgamento e demonstração de profundo conhecimento do que há de melhor no ordenamento jurídico brasileiro com respeito a essa matéria.
Sou advogado no Estado de Santa Catarina e afirmo que, especialmente quanto as comarcas no Sul do Estado, os juízes tem reiteradamente negado pedidos de liminares por hospitais quanto ao assunto em comento, respeitando a vontade constitucional dos pacientes.
Aliás, na grande maioria dos casos em que há pedido judicial para transfusão de sangue os pacientes não estão sendo transfundidos e estão se recuperando com o manejo correto e seguro de opções terapêuticas às transfusões.
O exposto acima demonstra que diversos desses pedidos judiciais poderiam ser evitados com o investimento do hospital em treinamento da equipe médica e materiais/medicamentos que podem auxiliar no tratamento e evitar o uso do sangue.
Meus sinceros cumprimentos a todos.
Cordialmente,
Bruno Silvestre continuar lendo

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Realmente, uma brilhante descisao... parabéns por autorizar o homicídio e o suicídio. continuar lendo